sexta-feira, março 23, 2018

Portugal na Nova Descoberta do Mar - Por Almirante Vieira Matias



        PORTUGAL NA NOVA DESCOBERTA DO MAR

              Almirante Vieira Matias 

 

Os Portugueses foram os heróicos obreiros da grande descoberta do mar, a descoberta organizada dos mares de oceanos distantes que marcaria o início de uma nova era para o mundo, a era do desenvolvimento tecnológico rápido, na expressão do Prof. Daniel Boorstin, ao referir- se à importância da viagem de Vasco da Gama. Hoje, coloca-se a Portugal outro repto. O de participar na nova descoberta do mar ou, para ser mais específico, na descoberta do seu fundo.

Naturalmente que existem boas razões para nos envolvermos nesse novo grande desafio, já que Portugal é um dos países de maior maritimidade da União Europeia, nomeadamente pela cultura, pela história, pelo carácter do nosso povo e pela geografia que lhe concede um território situado na frente atlântica mais ocidental deste continente, que penetra muito longe no mar, chegando a ocupar até parte da placa tectónica americana, para lá das ilhas das Flores e do Corvo. Corresponde-lhe uma das maiores zonas económicas exclusivas da União Europeia e espera-se, para breve, que a plataforma continental que lhe subjaz seja mais do que duplicada, em consequência do processo que está em avaliação na Organização da Nações Unidas, onde foi entregue em Maio de 2009. Isto é, o território sob soberania portuguesa deverá passar para cerca de 4 milhões de quilómetros quadrados, pela adição aos 93 mil quilómetros quadrados do nosso espaço emerso continental e insular, da área da enorme plataforma continental, que nos é devida pela Convenção das Nações Unidas do Direito do Mar de 1982.

Trata-se de um imenso, gigantesco mesmo, património, o único verdadeiramente grande de Portugal, que tem de ser convenientemente explorado. Para isso, é imperioso despertar, desenvolver, uma imagem renovada, moderna, da importância do mar, sobretudo junto da população mais jovem, através de pais e professores, como é necessário investigar e estudar, para conhecer na verdadeira dimensão, o seu valor moral, político, estratégico, cultural, científico, económico, ambiental e de segurança. Na verdade, é nesse mar-oceano que reside muito do futuro de Portugal e é esse novo mar que os Portugueses têm de ajudar a descobrir.

De facto, espera-se que as Nações Unidas atribuam ao nosso país uma extensão da sua plataforma continental que passe a medir no sentido Leste-Oeste, a partir da costa do Continente, cerca de 1400 milhas marítimas (2600 Km) e, no Norte-Sul,1260 milhas (2300 Km). No solo e subsolo desse enorme espaço, exercer-se-á a soberania portuguesa com direito a todos os seus recursos. Destes, conhece-se apenas alguns dados, mas os suficientes para se poder estimar uma enorme variedade, em quantidades promissoras, quer em termos biológicos, quer minerais, quer energéticos.

Os trabalhos de levantamento de todos esses espaços, levados a cabo, ao longo de anos, sobretudo pelos navios hidrográficos da Marinha, adicionados dos de outras expedições científicas, permitem já conhecer a existência de muitas fontes hidrotermais de profundidade, de centenas de montes submarinos, de fundos com muitos minerais, com hidrometano, etc. As fontes hidrotermais que se situam sobretudo na faixa de encontro das placas tectónicas europeia, africana e americana, que percorre, na direcção Norte - Sul, a área dos Açores, são muito ricas, quer em novas formas de vida, independentes da luz solar e do oxigénio, cuja existência se conhece apenas há pouco mais de meio século, quer também em minérios e outros produtos. É o caso, por exemplo, da fonte “Rainbow”, a cerca de 240 milhas a SW dos Açores e 2400 m de profundidade, de onde uma amostra recolhida dos seus afloramentos revelou a existência de 11% de cobre, 18% de zinco, 0,04 % de chumbo, 4 g/ton. de ouro e 221g/ton de prata, para além de uma grande diversidade biológica. Também em locais mais próximos do Continente se conhece a presença de crostas ricas em cobalto, sulfuretos maciços, nódulos ricos em manganês, assim como quantidades significativas de hidrometano, não esquecendo a expectativa da presença de sistemas petrolíferos.

Por isso, a descoberta do fundo mar com a consequente exploração sustentável, poderá constituir uma fonte de riqueza incalculável para as gerações vindouras, se o soubermos e quisermos manter nosso. Para tal, são naturalmente exigidos saber e meios científicos e técnicos, competência política e instrumentos de soberania sobre a superfície do mar, abaixo dela e também no ar. Na realidade, o mar português é um oceano de oportunidades e, por isso, é imperativo descobri-lo em todas as suas componentes.

Há que promover a investigação científica, a inovação e o desenvolvimento, criando, de forma integrada e coordenada, linhas de investigação aplicada em áreas prioritárias, formando uma base de apoio à investigação oceanográfica no Atlântico e gerando pólos de competência internacional nas áreas de maior potencial de afirmação das capacidades nacionais, no âmbito do mar.

Há que promover uma imagem renovada do mar e das suas potencialidades, baseada no seu reconhecimento económico, científico, ambiental, político e estratégico, mas com objectividade e evitando ideologias utópicas. O mar deverá constituir a “imagem de marca” do País, dando-lhe a dimensão que falta ao território emerso e gerando o factor grandeza na mentalidade da nossa população. Tem de ser criada uma visão de um mar novo e diferente do mar conhecido no passado recente, um mar com imagem e horizonte de futuro, gerador de esperança. Um mar de descoberta, de saber novo, com uma postura diferente, inovadora e pró-activa, das sociedades política e civil. Também, paralelamente a esta acção interna do desenvolvimento da ideia identitária do mar, deverá ser implementado um projecto de promoção da imagem externa de Portugal, como país marítimo, nomeadamente enquanto actor forte nas actividades económicas ligadas ao mar.

Há que dotar o domínio da economia do mar de um centro estratégico para acompanhamento e produção das grandes linhas estratégicas que permitam a reflexão permanente e o ajustamento de rumos para os objectivos futuros.

Há que adequar a formação profissional às necessidades detectadas no domínio da economia do mar, nomeadamente no que se refere ao nível de certificações adequadas às exigências estruturais das profissões.

Há que melhorar e consolidar a qualidade ambiental do meio marinho nacional, contribuindo para a valorização, atractividade e competitividade de vários sectores e, em especial, dos da náutica de recreio, turismo náutico e pescas e indústrias afins. A protecção ambiental deverá ser sempre tida em conta como um factor preponderante na sustentabilidade dos recursos marinhos e na imagem da qualidade do nosso mar.

Sem procurar ser exaustivo, há também que considerar a necessidade de proteger o mar e os seus utilizadores, cuidando das componentes de defesa e segurança nas suas múltiplas perspectivas, para o que deve contribuir o reforço do papel da Marinha como actor institucional de grande valor qualitativo, incrementando também as suas acções de serviço público.

Numa altura em que tanto nos preocupam as crises do País, mais necessário se torna intensificar a atenção para com o maior activo de que Portugal dispõe - o mar, avançando determinadamente para a descoberta dos seus enormes domínios desconhecidos. Trata-se, na realidade, de uma nova descoberta do mar, para a qual deveremos tirar partido da nossa invejável posição geográfica, da nossa sensibilidade marítima, do nosso saber e da nossa audácia.

Há que ter vontade para nos amarrarmos ao leme e alcançarmos a distância da nova descoberta do mar, ou do seu fundo, tirando partido daquilo que as circunstâncias nos oferecem.

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